Review: The Alters mistura sci-fi emocional com gerenciamento
- 👉 The Alters une sci-fi denso, clones com personalidade e decisões impactantes.
- Gerenciamento de base exige cuidado tanto logístico quanto emocional.
- Visual deslumbrante e trilha oitentista potencializam a imersão.
- Narrativa profunda explora identidade, arrependimentos e as muitas versões de nós mesmos.
Quando iniciei The Alters, confesso que esperava mais um survival sci-fi com foco em coleta de recursos e gestão de base. Mas logo percebi que 11 Bit Studios criou algo bem maior: um estudo intimista sobre identidade, escolhas de vida e as infinitas possibilidades que cada pequena decisão pode gerar. E o mais impressionante: tudo isso amarrado num sistema de jogo que me prendeu emocionalmente durante dezenas de horas.
Assumimos o papel de Jan Dolski, engenheiro designado à missão de mineração Project Dolly. Logo no início, o jogo já estabelece o peso do isolamento: Jan é o único sobrevivente da aterrissagem desastrosa, com todas as demais cápsulas de entrada comprometidas. A solidão é palpável, e o contato limitado com a corporação Ally Corp., na Terra, só reforça essa sensação.
Clones que não são apenas cópias
A grande sacada narrativa de The Alters surge com a descoberta do Rapidium — recurso responsável não só por viabilizar a missão, mas também por permitir a criação dos Alters. Não são meros clones; são ramificações completas da vida de Jan. Cada Alter é o resultado de uma escolha diferente que ele poderia ter feito em momentos cruciais da vida.
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Essa mecânica, chamada de Branching Procedure, permite ao jogador visualizar caminhos que Jan nunca percorreu. Há o Jan altruísta, o Jan egoísta, o que seguiu a carreira acadêmica, o que se tornou militar. Essas versões geram não apenas habilidades distintas para o gerenciamento da base, mas personalidades completamente divergentes — e frequentemente conflitantes.
Logo percebi que o jogo não me colocaria apenas como gerente de recursos, mas também como mediador de conflitos éticos e emocionais. Alguns Alters despertaram minha empatia imediata, outros me irritaram profundamente. É desconcertante ver variações de si mesmo julgando as próprias decisões — e inevitável não refletir sobre as próprias escolhas na vida real.
O peso real das decisões
O maior triunfo de The Alters não está apenas nas grandes viradas da história, mas na forma como pequenas decisões diárias repercutem em todo o ecossistema da base. Presentear um Alter com um objeto ligado a uma memória feliz pode melhorar seu humor e produtividade. Ignorar uma queixa pode gerar ressentimento. Interferir em discussões pode resolver — ou piorar — o ambiente.

Essas escolhas emocionais afetam o funcionamento geral. A tensão crescente ou a harmonia entre os Alters define como a base opera, e impacta diretamente os momentos de narrativa maior. Poucos jogos conseguem fazer com que cada interação pareça realmente relevante como aqui.
Gerenciamento tenso e recompensador
No centro de tudo está a base móvel em formato de roda, quase uma homenagem a 2001: Uma Odisseia no Espaço. Construir e expandir essa estrutura exige gerenciamento constante: energia, comida, oxigênio, oficinas de reparo, laboratórios de pesquisa e, claro, áreas de lazer para aliviar o estresse dos Alters.

O sistema de construção lembra títulos como This War of Mine e Frostpunk, mas com sua própria identidade. Gerenciar espaço, alocar trabalhadores e equilibrar recursos cria um ritmo constante de microdecisões estratégicas. Sempre há algo precisando de manutenção, alguém exigindo atenção ou um novo setor para construir — o que impede que a jogabilidade caia na monotonia.
Mesmo com planejamento cuidadoso, o jogo nunca te deixa 100% confortável. Eventos inesperados surgem, recursos escasseiam e, principalmente, as relações pessoais dentro da base tornam-se cada vez mais complexas.
Exploração além das paredes
Fora da base, The Alters oferece momentos de exploração intensa. O planeta abriga uma variedade de biomas, cada um com seus próprios desafios e recursos específicos. A constante ameaça da radiação solar — que obriga o jogador a manter a base em movimento e evitar a exposição — adiciona uma camada de urgência à exploração.

Cada mapa oferece obstáculos diferentes: terrenos difíceis de atravessar, anomalias misteriosas, falhas técnicas e novos recursos valiosos. Essas missões de campo exigem preparo e decisão: o que vale mais a pena arriscar? Qual Alter enviar? Ter o equipamento certo na hora certa pode ser a diferença entre o sucesso e o desastre.
A cada novo ato, o mapa muda e amplia as possibilidades. Apesar de não serem gigantescos, os cenários são detalhados e densos, evitando o cansaço de áreas extensas demais. Tudo é muito bem calibrado para manter o jogador atento sem perder o ritmo.
Narrativa emocionalmente madura
O maior impacto de The Alters está na sua narrativa. O jogo se recusa a simplificar as questões morais que propõe. Muitos momentos me deixaram pensativo, desconfortável até, diante de dilemas sem respostas fáceis. Sacrificar um Alter por um bem maior? Intervir em conflitos pessoais? Priorizar eficiência ou bem-estar?

As atuações são impecáveis, com Alex Jordan dublando todas as versões de Jan com nuances distintas. Doug Cockle, conhecido por dar voz a Geralt em The Witcher 3, também participa, enriquecendo ainda mais o elenco.
Mesmo com sua pegada indie, o jogo entrega cenas de forte carga dramática, dignas de produções cinematográficas. A trilha sonora — uma mescla de synth oitentista com ambientações sci-fi — intensifica o peso emocional desses momentos, criando um clima único de melancolia e tensão.
Mais do que um jogo de sobrevivência
Mesmo após 30 horas, ainda restavam Alters para descobrir e decisões para enfrentar. A estrutura de escolhas ramificadas garante uma rejogabilidade genuína, já que não é possível ver todas as possibilidades numa única campanha. Isso incentiva novas jornadas, cada uma diferente, com novos dilemas e finais alternativos.
Além do aspecto mecânico, The Alters me fez refletir sobre questões pessoais profundas: como decisões moldam quem somos, como pequenos atos de egoísmo ou generosidade impactam o futuro, e como podemos ser versões tão distintas de nós mesmos sob outras circunstâncias.
A ficção científica aqui não serve apenas de pano de fundo estético; é o veículo perfeito para discutir temas filosóficos, existenciais e éticos de forma acessível e poderosa. Poucos jogos conseguem atingir esse nível de profundidade narrativa mantendo a jogabilidade envolvente.
VEREDITO
The Alters não apenas amplia o escopo do que esperamos de jogos narrativos, como também estabelece um novo patamar para o gênero sci-fi nos videogames. Combinando gerenciamento estratégico, narrativa não linear e uma carga emocional surpreendente, a 11 Bit Studios entrega uma obra que merece ser experimentada por qualquer fã de histórias bem construídas.
Se você busca um título que vai além do mero entretenimento, que desafia sua moralidade e ainda oferece uma jogabilidade sólida, The Alters é, sem dúvida, uma das melhores experiências de 2025.
NOTA: 5/5

-Jogador desde o Atari 2600, viciado em roguelikes, RPGs, jogos de luta e Coca-Cola Zero. Jogando atualmente Diablo 4 e Clair Obscure.